A Julia foi concebida em fevereiro de 2021 através de FIV com sêmen de doador. Ela foi muito amada, muito desejada e minunciosamente planejada.
Engravidei na primeira transferência e tudo seguia bem, apesar de uma sensação esquisita que eu tinha de que ela não veio pra ficar. Conversei com algumas pessoas sobre isso e todos me disseram que esse medo era normal e me garantiram que estava tudo bem.
Senti ela mexer com 14 semanas, ela pulava tanto que eu comecei a chamá-la de Macaquinha. US do primeiro trimestre perfeito, contei para todos que eu estava grávida com 20 semanas e 4 dias.
Com 22 semanas e 3 dias fui para o Ultrassom morfológico e meu mundo desabou. Naquele dia recebi a pior notícia da minha vida: a Julia era incompatível com a vida extrauterina. A Julia tinha Chiari tipo 2, que causa um defeito congênito que ocorre na conexão da parte de trás da cabeça com a coluna vertebral. Algumas vezes essas conexões são visíveis – como a da Julia que era uma abertura física na parte de trás do crânio dela e que permitiu o crescimento da meninge fora do crânio – noutras não.
Ela também tinha Síndrome de Meckel-Gruber que é uma anomalia genética cerebral que se manifesta em apenas 0,02% dos nascidos vivos no mundo. Além da malformação do cérebro, ela causa insuficiência respiratória, cardíaca e renal após o nascimento. Fisicamente as únicas características de Meckel-Gruber são polidactilia (dedos extras nas mãos e nos pés) e fenda palatina (uma abertura – geralmente interna – na boca do bebê). A Julia não possuía nenhuma característica física da síndrome dela.
Fiz exames genéticos, ressonância magnética e inúmeros ultrassons enquanto ainda estava grávida. Conversei com uma geneticista e com um neurocirurgião pediátrico; todos me disseram a mesma coisa.
Minha bebê nasceu dormindo em 24/08/2021 com 28 semanas + 6 dias de gestação. Ela pesou 1,350kg e media 37cm. Ela era perfeita.
Como eu moro no Reino Unido, eu tive o privilégio de estar com ela pelo tempo que eu achei necessário e pude me despedir dela com dignidade. Nós duas fomos tratadas com muito amor e carinho pela equipe médica.
Tirei muitas fotos, li para ela, cantei para ela. Pude dar banho e vesti-la para o velório. Participei do velório. Ela foi cremada e eu fiz um pingente de parte das cinzas dela, assim a carrego comigo por onde eu for.
Como parte da elaboração do meu luto, criei a página d’A Casa Mosaico (@acasamosaico) onde compartilho pensamentos e sentimentos com outras famílias enlutadas. Também quero me tornar porta voz da perda gestacional, perinatal e neonatal no Brasil trazendo minha experiência para ser estudada por equipes médicas brasileiras para que eles respeitem e tratem com dignidade outras famílias enlutadas.
Quero que as pessoas lembrem da Julia e saibam que a vida dela não foi em vão e ela deixa um legado de amor.