
Especialista em diagnóstico de doenças raras, que hoje atingem até 13 milhões de brasileiros, médica coordena programa no âmbito da saúde pública.
“Sou carioca da gema apaixonada por genética e pelo Rio, adoro nadar no mar e tenho três filhos. Coordeno o Departamento de Genética do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz, e dirijo a Sociedade Brasileira de Genética Médica, onde comando o programa Muitos Somos Raros”
As doenças raras hoje atingem de 6% a 8% da população, pela estimativa da OMS. No Brasil, são até 13 milhões de pessoas, sendo que 80% têm causa genética e percentual baixo de tratamento. A boa notícia é que, com o avanço da genética, o diagnóstico está ficando mais rápido, poupando anos de angústia e peregrinação para o paciente e as famílias.
Quer dizer que as doenças raras deixaram de ser raras?
Ainda são incomuns isoladamente, mas, juntas, embora minoritárias, já representam um grande contingente.
Quais são mais comuns?
A mais frequente é a síndrome do X frágil, que provoca deficiência intelectual em homens e tem sintomas difíceis de detectar no início. Como é congênita, até o diagnóstico podem nascer vários bebês numa mesma família sem que se saiba que a mãe é portadora.
Os genes determinam quem somos? Você, por exemplo, tem uma tendência genética para a prática da genética?
É uma combinação do genético e do ambiental. No meu caso, não é genético, pois minha família é toda de advogados. O fascínio veio na escola, aquela coisa de azinho e azão…
Como você vê os clones?
Não vejo. Minha área é descobrir doenças para poupar o sofrimento das pessoas. Não sou chegada a pesquisa básica.
Você bebe? Fuma? Faz terapia? Crê em Deus?
Não fumo. Bebo pouco, um vinho. Não faço terapia. E creio em alguma coisa superior.
Existem raças?
Entre humanos, não. Mas a mistura é sempre melhor que a consanguinidade. No Brasil temos locais isolados em que se volta 200 anos atrás e se conclui que todos descendem de duas ou três famílias. Ser geneticista no Brasil é interessante por isso: tem que saber História, antropologia, geografia.
O avanço da genética pode reforçar o racismo?
As pessoas estão com uma expectativa muito grande. Gente querendo selecionar embrião, ter um bebê perfeito, mas a gente não chegou nisso ainda.
Qual foi o seu diagnóstico mais difícil?
No começo da residência um menino de 4 anos tinha queixa ocular e hematomas. Eu dizia que era genético, recessiva, de tecido conectivo. Rodamos seis diagnósticos. Só 15 anos depois concluiu-se que era exatamente o que eu previra. O rapaz, extremamente inteligente, virou militante. O resultado foi uma carta de alforria: ele hoje diz que o diagnóstico é sua carteira de identidade e que passou a se entender melhor.
Então você é uma versão feminina do doutor House?
Sou uma doutora House sem tirania, que não massacra as equipes, até porque trabalho mais comigo mesma, Fico remoendo, inclusive em sonhos.
O cérebro humano está evoluindo para melhor?
A espécie está chegando num ponto em que a gente está cada vez com menos tempo, assoberbada de informações, de estímulos, de competição. Tenho sérias dúvidas de que isso vá resultar em algo bom.
Se um clone seu for vendido numa loja, você compra?
Para trabalhar no meu lugar e eu dormir um pouco mais, eu compro. Uma substituição rápida e temporária.